Durante o segundo semestre da faculdade, fomos desafiados a criar um perfil de uma pessoa. Até aí tudo bem, para quem gosta de escrever, criar o perfil de alguém é moleza. Entretanto, essa criação precisaria ser conforme algumas exigências, sendo elas:
- Detalhamento de tudo que estivesse sendo contado;
- A pessoa relatada, precisaria ter diferentes histórias de vida;
- Precisaríamos alternar com harmonia os altos e baixos do entrevistado;
- Necessário que utilizássemos metáforas;
- Não poderia ser um parente;
- A partir de 10.000 caracteres;
- O final precisaria ser como as reticências, deixando o leitor na dúvida do seu verdadeiro desfecho;
- Por último e não menos importante, tudo precisaria ser escrito de uma forma poética, contando uma história.
Nunca tive muita habilidade com poemas, então esse foi um dos meus principais desafios na criação desse perfil. Um outro ponto muito difícil também, foi a parte do detalhamento, não por eu não ser boa em detalhar, muito pelo contrário, sou bastante perceptiva com as coisas e situações, mas detalhar situações ruins de uma forma que fique poética, é mesmo desafiador!
O resultado desse trabalho será mostrado abaixo, felizmente todo o esforço valeu a pena, pois tirei a nota máxima! 🙂
Perfil: Rafael de Oliveira Santos
Idade: 24 anos
ÚLTIMOS MOMENTOS

Não sei o que farei da minha vida, está tudo acabado! Irei embora de São Paulo e nunca mais voltarei! Preciso ir… antes que eu acabe me suicidando nessa casa.
Rafael cuspia essas palavras aos prantos, na cozinha de sua casa. O cômodo que era grande, ficou pequeno em meio à tanta tristeza. Entre nós havia apenas a grande mesa de madeira marrom escuro e retângula. Eu mal entrei e me banhou com essas palavras carregadas de angústia. Via-se o caos em seu rosto, estava vermelho, chorando igual uma criança, descabelado, sem camisa, de bermuda poliéster e chinelos Havaianas.
Olhei em volta e aparentemente tudo estava em seu devido lugar, na pia de inox havia alguns pratos e copos a lavar, o fogão de seis bocas permanecia com a tampa abaixada e na porta da geladeira branca, ainda continham seus ímãs de geladeira personalizados intocados. Seu gato cinza e branco de olhos azuis, porte médio, nos olhava compenetrado, pousado em cima do armário, ao lado do micro-ondas. O olhei por um tempo sem dizer nada, esperando que Rafael se recompôs-se. Estava muito firme em suas palavras.
Ao mesmo tempo em que falava, apontou para uma grande caixa preta em cima da mesa, depois para uma sacola plástica branca grande, entupida de filmes em DVD. Enquanto eu associava os itens, pediu que eu levasse tais objetos, pois para onde iria não teria como levar consigo. Para onde iria afinal?! O questionei, mas não soube me responder, isso também não faria a menor diferença, seu plano era ir até a rodoviária com a mochila nas costas e decidir na última hora. O ônibus que partisse no exato momento em que chegasse, seria o seu destino final. Partiria sem rumo, igual um mochileiro caindo no mundo.
Levantei a tampa da caixa para ver o que havia dentro, vislumbrei apenas os objetos que estavam por cima, fotos dele com seu amor, – o que eu faria com aquelas fotos? – papéis de carta, coisas de papelaria como bloco de notas, marca página, alguns livros e por cima de tudo seus CDs. O álbum que estava no topo, se tratava da sua última aquisição, cujo CD ficou muito feliz quando o comprou, pois tinha acabado de chegar ao Brasil. Retirei o CD da Melanie Martinez da caixa e o segurei na mão, estendendo-o no ar, virado para ele, perguntei-lhe se tinha mesmo certeza? Numa infeliz tentativa de provocá-lo com algo que ele gostava muito. Mas sim… ele possuía total certeza da sua decisão. Enquanto eu olhava para a foto da Melanie no encarte da capa, me lembrei dos ingressos de seu show, cujos tickets apesar de terem sido adquiridos por mim, estavam em sua posse. O indaguei se não iríamos mais ao show juntos e mesmo sua resposta sendo positiva, havia grande incerteza em seu tom.
Como um grande efeito dominó, ouvir as frases irei embora e nunca mais voltarei, por um milésimo de segundo me fez esquecer da sua dor e além de lembrar do evento que viria, lembrei também da entrevista que ainda não havia sido feita. Seria mesmo capaz de me deixar a deriva no último instante? Seria mesmo compreensível tal atitude após uma grande desilusão amorosa? Ou seria o mais correto jogar a culpa na depressão que estava por vir?
INFÂNCIA CONTURBADA

Se esse menino for veado, eu o mato!
Pele levemente bronzeada, olhos castanhos escuros, cavanhaque em volta da boca, poucos fios de barba no contorno do rosto, nariz acentuado, lábios finos, sobrancelhas grossas, sem nenhum tipo de macha na pele facial, como se incrivelmente usasse base ou corretivo no rosto. Com um corte de cabelo moderno, possuía pouco cabelo na lateral e mais volume na parte de cima. Apesar de não ser muito alto, tem pinta de modelo, corpo malhado e bem cuidado.
Rafael de Oliveira Santos, natural de Maceió, nascido em 16/04/1991 foi fruto de um segundo casamento arranjado. Sua mãe, Sônia Maria, se casou com seu pai Raul, devido ao mesmo possuir bens, como fazenda e gado. Foram casados por 19 anos, sendo de 1985 a 2004. Tiveram dois filhos, sendo quatro anos mais velha Manuela, e Rafael o caçula.
Em seu primeiro casamento, Sônia teve um outro filho, chamado Denis, que é seis anos mais velho que Manuela. O casamento com seu pai durou apenas um ano e quatro meses, e após três anos separado, o mesmo não soube seguir em frente e se suicidou.
Desde a infância de Rafael, Raul sempre desconfiou da homossexualidade do filho e o ameaçava de morte, caso fosse comprovado. Jamais aceitaria ter um filho que fugisse dos padrões da sociedade.
Momentos amargos Rafael viveu durante a sua criação. Precisou passar por um procedimento cirúrgico de redução do Pomo de Adão, já que o seu era muito grande e desproporcional com a sua idade. Durante os dias da sua recuperação, seu pai o flagrou brincando com uma Barbie de sua prima. Flagrando este momento, seu pai lhe deu uma grande surra, ignorando que estava em um momento pós-operatório.
Quando se mudaram para São Paulo em 2001, parecia que as coisas iriam mudar, talvez se pacificar. Mas não foi bem assim que aconteceu. No ano seguinte, quando Manuela tivesse seus 15 anos, novos atritos viriam, novos confrontos fatigantes. Denis a essa altura não residia mais com a família. Possuía sua independência e morava sozinho no bairro de São Miguel, enquanto o restante da família vivia em Guarulhos.
Manuela começou a namorar com seu atual marido e ao saber desse relacionamento, Raul não se agradou, alegando não autorizar tal evento. Em sua defesa, Manuela revelou já possuir autorização da mãe. Mediante à essa declaração, o homem se descontrolou, adquirindo uma postura como se o diabo tivesse incorporado o seu corpo. A situação se tornou catastrófica e para descarregar a sua raiva, o pai de família agrediu sua esposa, acertando-a com um forte tapa na face. Ao presenciar sua mãe apanhando e sofrendo, Manuela também avançou contra seu pai, numa tentativa inútil de pará-lo. Percebendo que sua filha tomou partido das dores de Sônia, ao invés de recuar ele se irritou mais ainda com aquela insolência, mostraria as duas quem é que mandava. Assustado com tudo que estava acontecendo, Rafael saiu correndo para o portão, gritando por ajuda. Ao se dar conta que aquele infeliz propenso a promiscuidade, estava o traindo também, Raul trocou de alvo e correu atrás do Rafael para agredi-lo. Entretanto quando o alcançou, seu portão já estava repleto de plateia.
Manuela, se aproveitando de sua distração, rapidamente pegou a chave e tratou de abrir o portão, para que seus vizinhos pudessem acudir. Em torno de oito pessoas entraram em sua casa, entre elas, alguns familiares de seu pai que residiam na mesma rua. Ao perceberem que Sônia e Manuela possuíam marcas roxas pelo pescoço, o homem enfurecido foi obrigado a arrumar suas coisas e sair de casa.
Nunca mais Sônia e Raul retomaram sua vida como um casal. Ele a visitava de vez em quando pelos filhos e até tentava convencê-la a aceitá-lo de volta, utilizando discursos religiosos, de que Deus os queriam unidos novamente. Porém Sônia não cedeu e em 2005 oficializaram a separação.
ABUSO SEXUAL

Ele dizia ser uma brincadeira só nossa, cuja brincadeira não podíamos contar para ninguém.
Em 2002, antes de ocorrer a separação de seus pais, Rafael, com onze anos de idade, passou a ser cuidado por um primo cinco anos mais velho. Como ninguém percebeu? Como ninguém foi capaz de notar?
O rapaz se aproveitava da sua inocência para satisfazer seus desejos mais obscenos. No começo eram pedidos simples, não havia nudez, não havia pressão, não havia perigo, apenas o leve toque por cima da roupa.
A cada dia, um novo desafio a ser superado, um novo caminho desconhecido a ser percorrido. Do toque superficial para uma sensação mais real. Rafael não o impedia, até porque não sabia definir se aquilo era ruim ou não, sabia que era impuro, mas não tinha discernimento para entender a dimensão do ato.
Nos dias que se seguiram pôde sentir o prazer do outro, afinal o que era aquilo? Seria mesmo uma brincadeira entre amigos? Um joguinho divertido? Senti-lo em suas mãos definitivamente não fazia parte de nenhuma brincadeira sadia. Mas aquilo não era nada, perto do que estava por vir, com certeza o próximo passo seria o topo das obscenidades. Com uma criança de onze anos? Lhe faltavam candidatas pela rua? Difícil saber.
A partir daquele momento, Rafael não seria mais o mesmo. Não teve autonomia para impedir, se deixou levar como um rio que segue o seu trajeto sem fazer parte do que acontece à sua volta, apenas seguindo o fluxo.
Seria dor o que sentia? Ou apenas estranheza? O causador daquelas sensações estava lhe perguntando se o estava machucando? Haveria mesmo de se importar àquela altura de suas ações? Entrando sem pedir licença e ainda conseguia demonstrar resquícios de preocupação? Muitas contradições a serem compreendidas.
O fim… sim o fim seria recebido de portas abertas, finalmente o momento chegou ao final. O que seria aquele líquido vermelho no término? Seriam as lágrimas de sua alma? Por que será que esse rapaz bonito e atraente precisou fazer tal atrocidade? É dessa maneira que se tratam os amigos?
Rafael nunca contou a brincadeira secreta para ninguém, quem entenderia esse jogo obscuro? Seu silêncio foi moeda de troca para a continuidade. Quatro anos se passaram sem que nada mudasse, já estava acostumado com a constante visita. Teria passado a gostar afinal? Ou apenas se acomodou com as estranhas sensações?
Nunca aconteceu beijo na boca ou envolvimento emocional. Era apenas uma brincadeira que permaneceu em segredo até o momento da sua ruína. Após uma discussão qualquer sobre algum assunto banal entre adolescentes, a malvadeza se dissipou. Nunca mais se viram ou se falaram. E se o desentendimento tivesse ocorrido antes de tudo isso começar? Seu desaparecimento também teria sido tão eficaz e veloz, quanto seus atos contínuos durante todo esse tempo?
MUNDO GAY

Eu sei o que você é… mas mesmo assim te amo.
Em novembro de 2009, aos 18 anos, Rafael conseguiu seu primeiro emprego em uma empresa de call center, sediada na Av. Bernadino de Campos, ao lado da Avenida Paulista. Uma nova fase da sua vida se iniciaria, repleta de descobertas, desafios e prazeres.
Na Dedic, a maior parte dos funcionários eram homossexuais, que ao contrário do Rafael, não possuíam nenhum receio ou vergonha em serem o que eram, e essa nova concepção de vida, permitiu que Rafael saísse de dentro da bolha ao qual vivia.
Em 2010, seu aniversário caiu em uma sexta-feira e para comemorar, após sair do trabalho, saiu com seus novos amigos gays, desaparecendo de casa pelos próximos dois dias, sem ao menos dar qualquer satisfação à sua mãe. Durante esses dias, pôde descobrir um pouco do mundo das baladas GLS, sendo a primeira delas A Louca, situada na Augusta. Afinal como era permitido que pessoas do mesmo sexo, pudessem se expor tão espontaneamente em público? Beijos, abraços, intimidades, tudo isso não era proibido? Que mundo mágico de liberdade e total aceitação era aquele? Para entrar no clima, Rafael, pela primeira vez experimentou colocar um cigarro na boca, também bebeu bebidas alcóolicas, cujas bebidas possuíam nomes incomuns ao qual ele nunca ouvira falar. E as músicas? Aquelas mesmas músicas que costumava ouvir em seus momentos de privacidade estavam lá também, atuando como trilhas sonoras daquele momento diferente e único, momento pelo qual ele descobriria futuramente ser comum e igual. Aquela noite poderia durar para sempre. Tudo que tinha vivido até aquele momento parecia não ter sido bom o suficiente. Porque demorou tanto tempo para estar ali? Sua mente divagava, enquanto seus olhos deslumbrados, tentavam absorver cada informação daquele lugar.
Quando retornou para casa, ainda pensando no final de semana incrível ao qual desfrutou, encontrou em cima de sua cama, uma carta com um embrulho. Sônia, que já desconfiava da opção sexual do seu filho, mesmo brava pela preocupação causada, quis presenteá-lo por seu aniversário, assim que ele retornasse, preparando lhe uma surpresa. Sem ter a oportunidade de falar antecipadamente com sua mãe, para saber do que se tratava o referido presente, Rafael deu atenção primeiramente a carta. Nela continha uma linda mensagem de sua mãe, dizia com doces palavras que o amava, mesmo sabendo de sua escolha. O segundo presente eram sabonetes do O Boticário. Sônia não havia errado na simplicidade do presente, pois sabia que seu filho era bastante vaidoso. Rafael, ao mesmo tempo em que se emocionou, sentiu uma grande culpa por ter se ausentado sem lhe dar nenhuma satisfação. Prometeu a si mesmo que nunca mais repetiria tal atitude e tratou de ir falar com sua mãe.
A partir desse momento, Rafael se auto assumiu. Mudou seu jeito de falar, de se vestir e até mesmo de agir. Não precisaria mais controlar suas ações quando estivesse dentro de casa para poder se libertar somente quando estivesse na rua. Não precisaria mais mascarar seu verdadeiro eu.
AVENTURA PASSAGEIRA

Você está saindo com um homem e não com moleque.
Em 2011 Rafael trocou de emprego. Manuela trabalhava no setor financeiro da Magazine Luiza e conseguiu indicá-lo para uma vaga de estoquista. O que para ele foi ótimo, pois já estava saturado de call center.
Determinado dia, durante um pequeno intervalo, Rafael foi até o banheiro e enquanto lavava suas mãos, percebeu um homem bastante atraente, de pele clara, cabelo preto e cacheado, com aparência de ter uns 25 anos, estiloso, o paquerando pelo espelho. Apesar de ter se agradado pelo rapaz, ele não fez nada e voltou para suas funções. Alguns minutos depois, esse mesmo rapaz foi até onde ele estava, com um skate para ser empacotado. Enquanto Rafael embrulhava o objeto, o rapaz pediu seu telefone, ele concedeu e viveram uma aventura passageira.
Como a gerente da Magazine não o registrou no tempo acordado, após três meses de trabalho, Rafael decidiu pular fora. Durante o tempo em que estava desempregado, trocou várias mensagens com Mauro, o rapaz que havia pegado seu telefone enquanto ainda trabalhava lá. Marcaram um encontro e Mauro o pegou de carro no centro de Guarulhos, de lá foram para o Shopping Internacional, pegar um cinema. Na sala escura e não muito lotada, começaram com os amassos durante o filme e antes mesmo que a sessão terminasse, Mauro o convidou para ir até seu apartamento.
O rapaz era bem de vida e dividia o apartamento com alguns amigos na Avenida Paulista. Tiveram o sexo mais selvagem que qualquer outro na vida de Rafael. Mauro não se exercitava com a delicadeza de uma homossexual e sim como a ferocidade de um hétero. Apesar de quase ter pedido arrego, Rafael gostou da experiência. Não passaram a noite juntos e quando Mauro o deixou no centro de Guarulhos, tudo que Rafael mais queria era a sua cama para poder se recompor.
Alguns dias depois, marcaram de sair novamente, dessa vez se encontrariam direto na Avenida Paulista. Rafael estava no início de uma fase ruim e por falta de dinheiro para a condução, desmarcou em cima da hora. Mesmo que morasse pelas redondezas de onde iriam se encontrar, Mauro ficou furioso e o chamou de todas as ofensas possíveis, pois tinha desmarcado uma reunião em seu trabalho para aquele encontro. Rafael não revelou o real motivo, dando uma desculpa qualquer e a partir daí nunca mais se falaram.
DINHEIRO SUJO

Quando acabamos, o que eu queria era ir embora o mais rápido possível daquele lugar.
Ainda no mesmo ano, a vida de Rafael decaía cada vez mais. Não conseguia um novo emprego e estava cada vez mais sem dinheiro. Determinado dia, enquanto saía de uma entrevista de emprego na Av. Consolação, encontrou-se ocasionalmente com Johnny, seu amigo dos tempos de Dedic, ao qual havia lhe apresentado o mundo das baladas.
Enquanto compartilhavam informações sobre suas vidas durante todo esse tempo, vendo que Rafael estava na pior, Johnny lhe contou sobre um lugar discreto, localizado próximo ao metrô Santa Cruz, onde homens jovens e atraentes como eles, iam para faturarem dinheiro fácil e rápido. Rafael se interessou e acabaram indo no mesmo momento. Johnny já estava habituado com o lugar e sabia que o negócio era certo.
Quando chegaram, Rafael teve um pouco de dificuldade para se situar, a fachada do local parecia uma casa comum, paredes brancas e vários carros de luxo estacionados na entrada. Identificaram-se com a recepcionista, entregaram seus documentos e em troca receberam uma chave de armário cada um, para poderem guardar suas coisas. Johnny não lhe deu muitas instruções, apenas que ficasse sem roupa, com a toalha branca fornecida pelo estabelecimento, enrolada na cintura. Dito isso, desapareceu pelo lugar, atrás do seu ganha pão.
Aturdido, Rafael olhou em volta, acanhado sem saber o que fazer exatamente. O lugar se tratava de uma sauna, e para todos os lados haviam homens, mesmo sendo amador conseguia distinguir quais estavam ali pelo mesmo motivo que ele e quais estavam em busca de diversão.
Em menos de dez minutos, um homem o interceptou, perguntando-lhe se era boy ou cliente, sem saber qual seria a resposta correta, Rafael disse que era cliente, entendendo-se que por estar frequentando o lugar, não deixava de ser um cliente. O rapaz o olhou com estranheza e ao se afastar lhe lançou um comentário elogioso, afinal estava muito bem para um cliente.
Quando conseguiu reencontrar Johnny, Rafael lhe contou o ocorrido e questionou se havia agido corretamente. Johnny lhe explicou que não, eles eram os boys, clientes eram os homens que pagavam para ficar a sós com eles. Outra oportunidade lhe surgiu, o rapaz dessa vez aparentava ter 50 anos, pele clara e acima do peso. Após ouvir que seu objeto de desejo estava a sua disposição, perguntou-lhe, quanto seria seu cachê? Sem possuir parâmetros para estipular um valor exato, Rafael arriscou com R$ 250,00. Provavelmente essa era a faixa de preço dos demais, pois o homem não reclamou da importância citada e disse que iria pegar a chave de um quarto.
Rafael o acompanhou sem dizer uma única palavra, mas em seus pensamentos palavras eram gritadas descontroladamente. Como pôde chegar àquele ponto?! Entraram num cômodo simples, de paredes cor de abóbora, onde havia apenas uma cama. Não houve beijo na boca, nem carícias, o homem passou a mão por seu corpo e sem muita dificuldade com esse breve toque estava no ponto para o que vinha a seguir. As devidas preliminares ocorreram como tinha de ser, até o evento principal.
Antes que Rafael se desse conta, todo aquele momento já havia ficado para trás. O homem que estava em sua companhia acendeu um cigarro, e num momento de relaxamento revelou ser bancário. Aproveitou que havia dito algo de sua vida pessoal e perguntou-lhe porque estava participando daquilo. Rafael mentiu ser para pagar a faculdade, afinal já era bastante humilhante estar ali, admitir que era um fracassado já seria demais.
Quando voltou para a área principal, buscou seu amigo com os olhos, não queria mais ficar nenhum minuto naquele lugar, não conseguiu sequer sentir felicidade pelo dinheiro adquirido, pois estava se sentindo um tomate podre, uma casca velha e ressecada. Acabou partindo sozinho, uma parte do dinheiro usou para pagar sua entrada e nunca mais cogitou voltar naquele lugar.
MORANDO SOZINHO

Não pense que isso aqui virará bagunça. Virei todo final de semana para ver como está.
Em 2014, com seus 54 anos, após viver dez anos divorciada, com sua vida focada apenas na criação dos filhos, Sônia sentiu que sua missão estava cumprida. Denis e Manuela já estavam casados e Rafael já era adulto o suficiente para cuidar de si mesmo sozinho. Podendo então focar na sua vida pessoal, já que nunca mais se relacionou com ninguém depois do ocorrido com Raul.
Quando conheceu Joaquim, um senhor viúvo de 61 anos, através da internet, sentiu como se voltasse a viver novamente. Não acreditava que à essa altura da vida ainda pudesse encontrar alguém tão compatível e sentir com ele as mesmas sensações de quando era mais jovem. O friozinho na barriga, a expectativa pelo desconhecido e a vontade de estar junto o tempo todo. Coincidentemente residiam na mesma cidade, apenas em bairros diferentes. Estava diante de um recomeço promissor.
Após um ano mantendo um relacionamento ora longe, ora perto, Sônia decide então aceitar a proposta de Joaquim, em se mudar para sua casa. A essa altura todos de sua família estavam familiarizados com ele e sua mudança foi bem concebida.
Quando soube que teria a sua casa de dois andares somente para si, Rafael achou aquilo incrível, já mentalizando as festinhas que organizaria e os rapazes que levaria para seu quarto. Sem contar que teria a independência de uma moradia inteiramente sua, sem ter feito qualquer esforço para conquistá-la.
PRIMEIRO AMOR

Se você não mudar seu jeito de ser, não ficaremos juntos por muito tempo.
Pouco tempo antes de Sônia partir para sua nova casa, Rafael conheceu Róger através do facebook por possuírem amigos em comum. Róger além de bonito, era inteligente e esforçado, pois com apenas 20 anos já estava no último ano da faculdade de ciência da computação, sendo também muito responsável e companheiro. Todo final de semana Róger ia para sua casa e era tanto amor que mal cabia no peito. Pela primeira vez em sua vida, Rafael colocou uma aliança de compromisso em seu dedo. O relacionamento do dois era tão apaixonante e desafiador quanto ao de Jack e Rose.
Rafael vivia o melhor momento de sua vida, trabalhava com o que gostava no setor administrativo da Livraria Cultura, havia conquistado um namorado incrível, morava sozinho, além de estar com uma ótima aparência física. Malhava todos os dias na academia e possuía uma dieta regular com alimentos naturais, no intuito de manter sua saúde física. Seu corpo era invejado por muitos e devido a esse grande sucesso, adquiriu uma estrondosa fama no facebook. Diversos homens gays que nem o conheciam pessoalmente, lhe adicionavam e babavam pelas suas fotos sem camisa ou de cueca.
No início do seu namoro, esses acontecimentos não eram problemas para o casal, Róger o conheceu assim e estava de acordo com seu jeito exibido de ser. Entretanto, conforme os meses foram passando, uma semente de discórdia havia sido plantada entre eles e Róger passou a desconfiar cada vez mais da fidelidade do Rafael.
Para Róger não era cabível que seu namorado, pudesse ser tão simpático com homens estranhos, apenas por terem comentado em suas fotos. Se por um lado Róger estava incomodado com as extravagâncias de Rafael, por outro lado Rafael também estava bastante insatisfeito com as imposições do outro, afinal quando o conheceu sempre deixou bem claro que esse era o seu jeito de ser.
Muitos desentendimentos e brigas vieram a seguir e a cada discussão, a confiança de Roger minguava juntamente com o que sentia por Rafael. Estando cada vez mais desconfiado do seu namorado, se aproveitou de suas habilidades em TI, e sem que Rafael soubesse, instalou em seu computador um programa para que ele pudesse vigiá-lo através de tudo que executasse pela internet, e de tanto procurar intrigas, acabou de fato encontrando um deslize do outro.
Certo dia, Rafael estava com vontade de se aventurar e chamou um paquera do facebook para ir até sua casa. Róger visualizou a conversa e no intuito de desmoralizar o namorado, cego de ciúmes foi até sua casa, chegando no exato momento em que o amante estaria lá também. No entanto, o que Róger não conseguiu acompanhar é que Rafael voltou atrás e cancelou por telefone com a pessoa que havia marcado. No último momento Rafael desistiu, pois sabia que aquela atitude seria leviana com seu parceiro.
DEPRESSÃO

Quando tentei me suicidar, vozes gritaram em meu ouvido, me dizendo para ir adiante com aquilo, que do outro lado seria muito melhor. Quase o fiz… mas no último momento, pensei na minha mãe e no sofrimento que lhe causaria.
Durante toda sua vida, Rafael sempre teve seus altos e baixos. Ora estava bem, outrora estava péssimo. Sabia que a felicidade plena não existia, mas sim momentos intensos de felicidade.
Quando sua mãe saiu de casa, ele teve seu grande momento de felicidade, uma sensação até que duradoura, entretanto conforme seu namoro caminhava para a ruína, a palavra “independência” estava se tornando sinônimo de solidão. Qual a vantagem de ter os finais de semana livres se teria que passá-los sozinho? Seu alto nível de infelicidade entrou pela porta da frente e se acomodou no sofá, sentado bem na sua frente, lhe encarando. Para que ter emprego? Para que estudar? Nada disso parecia ter mais sentido qualquer que fosse. Agora entendia porque as pessoas se drogavam, pois quando a dor o atingia como facadas traiçoeiras, ele desejava estar em qualquer lugar fora da sua mente.
A vida de Rafael começou a decair antes mesmo de Róger abandoná-lo, talvez fosse por essa razão que ele quisesse pular fora do barco, antes que ele naufragasse, ninguém quer permanecer ao lado de uma pessoa que não possui objetivos de vida, nem planos relevantes para o futuro.
Rafael estava bastante desmotivado na Livraria Cultura e após muitos atestados médicos conseguiu um acordo para que o mandassem embora com todos os seus direitos. Quando todo seu sofrimento veio a tona, ficou aliviado por não possuir responsabilidades empregatícias, já estava difícil lidar consigo mesmo, não suportaria aturar pessoas de fora sem entender o que se passava por dentro de sua mente.
Muitos homens passaram pela vida de Rafael, por cada empresa que passava, por cada balada que frequentasse, sempre tinha alguém que lhe fazia não passar despercebido, mas conhecer o Róger foi algo celestial, e por mais que muitas pessoas lhe dissessem que aquela dor seria passageira, palavras não possuíam poderes cicatrizantes.
Quando Róger declarou estar no seu limite, Rafael fez de tudo que estava ao seu alcance para convencê-lo a reconsiderar suas atitudes. Mas não adiantou, pois não estava mais disposto a viver em constante desconfiança. Se Rafael achava que estava por cima na relação, agora sabia que não era inatingível. O que Rafael faria da sua vida dali para frente, já não lhe dizia mais respeito. Após o fim do seu namoro que há um ano era a sua fonte de felicidade e motivação de vida, Rafael estava sem chão. Há 3 semanas seu namoro estava por um fio, tudo porquê seu namorado, considerou ser a gota d’água seu comportamento no último final de semana que passaram juntos. Rafael sabia que tinha errado, mas por que Róger tinha que ser tão radical?
Ele não consegue encarar o fim com maturidade e para não cometer uma imprudência contra si mesmo, optou que irá viajar, talvez não volte, mas nada te prende em São Paulo, mora sozinho, acabou de sair do seu emprego que há tempos estava te sufocando, sendo sua única preocupação arrumar alguém para ficar com seu gato.
Há algumas semanas tentou se suicidar de duas formas, sendo a mais marcante e tenebrosa com uma corda enforcado. Não se lembra onde conseguiu aquele prego, mas de repente já estava com a corda no pescoço, chorando muito e querendo que todo aquele sofrimento acabasse logo. Sua perna tremia em cima da cadeira, sua vida estava por um fio e mesmo sabendo que aquela atitude colocaria um fim em tudo que estava sentindo, ainda assim não conseguia ter coragem o suficiente para fazê-lo. Como um flashback lembrou-se da sua vida, de tudo que já passou, todas as experiências que já viveu, e se deu conta que mesmo tendo feito coisas muito piores, é nesse atual momento que mais se sente infeliz, querendo definitivamente que suas luzes se apaguem.